Fragmento de uma pesquisa de Huayrãn Ribeiro para um estudo sobre educação comunitária
NO INÍCIO do século 19, muitos na Inglaterra resistiram às propostas da criação de uma força policial uniformizada. Temiam que um exército sob o comando de um governo central constituísse uma ameaça à liberdade. Havia também o receio de que se desenvolvesse um sistema de policiais espiões, como ocorreu na França sob José Fouché. Mas o dilema era: ‘O que faremos sem polícia?’
Ao passo que Londres se tornara a maior e a mais rica cidade do mundo, o aumento da criminalidade representava uma ameaça ao seu comércio. Os vigias noturnos voluntários e os caçadores de ladrões (detetives de uma entidade privada denominada Bow Street Runners) não davam conta de proteger a população e suas propriedades. Clive Emsley comenta no seu livro The English Police: A Political and Social History (História Política e Social da Polícia Inglesa): “Houve uma conscientização cada vez maior de que o crime e a desordem não poderiam ser tolerados numa sociedade civilizada.” Assim, os londrinos acharam por bem dispor de uma força policial profissional, organizada sob a direção de Sir Robert Peel. Em setembro de 1829, policiais uniformizados da Polícia Metropolitana começaram a fazer rondas.
Desde o começo de sua história moderna, a polícia tem inspirado esperança e medo na população — esperança de que proporcione segurança e medo de que abuse de sua autoridade.
A polícia do terror
No início do século 19, quando as modernas forças policiais começaram a ser formadas, a maior parte da humanidade havia estado sob o domínio dos impérios europeus. De modo geral, a polícia européia estava organizada para proteger os governantes, não o povo. Até mesmo os britânicos, que repudiavam a idéia de ter uma polícia militar armada em seu meio, pareciam não ter escrúpulos de usar a polícia militar para manter as colônias em sujeição. Rob Mawby, no seu livro Policing Across the World (A Polícia ao redor do Mundo), diz: “Incidentes de brutalidade, corrupção, violência, assassinato e abuso de autoridade ocorreram em praticamente todas as décadas da história da polícia colonial.” Depois de salientar alguns aspectos positivos da polícia imperial, o mesmo livro acrescenta que ela “passou para o mundo a imagem de que a polícia é instrumento de repressão do Estado, não uma entidade de serviço público”.
Governos despóticos, temendo revoluções, quase que invariavelmente tinham a sua polícia secreta para espionar os cidadãos. A polícia secreta extrai informações mediante tortura, e supostos subversivos são eliminados ou presos sem julgamento. Os nazistas tinham a Gestapo; a União Soviética, a KGB e a Alemanha Oriental, a Stasi. Esta última possuía um impressionante contingente de 100.000 homens e possivelmente meio milhão de informantes para controlar uma população de uns 16 milhões. Policiais faziam escuta de conversas telefônicas 24 horas por dia e mantinham fichas de um terço da população. “Os policiais da Stasi não conheciam limites nem ética”, diz John Koehler no livro Stasi, de sua autoria. “Um grande número de clérigos, incluindo autoridades de denominações protestantes e católica, foram recrutados como informantes secretos. Seus gabinetes e confessionários estavam repletos de aparelhos de escuta.”
Mas esse tipo de polícia não é exclusividade de governos despóticos. Policiais de grandes cidades em outros lugares são acusados de infundir o terror quando adotam práticas extremamente agressivas de imposição da lei, especialmente contra minorias. Comentando um escândalo de ampla repercussão envolvendo abusos cometidos pela polícia de Los Angeles, uma revista noticiosa disse que ‘a violência policial havia atingido um nível sem precedentes, levando a se cunhar o termo “policial-bandido” ’.
Incidentes desse tipo têm levado autoridades a se perguntar: Como melhorar a imagem da polícia? Num esforço de enfatizar o seu papel de servidores públicos, muitas forças policiais têm procurado salientar os aspectos comunitários de seu serviço.
Policiamento comunitário
O estilo tradicional japonês de policiamento comunitário tem chamado a atenção de outros países. Tradicionalmente, no Japão há pequenos distritos policiais onde trabalham uns 12 policiais organizados em turnos. Frank Leishman, conferencista em criminologia e antigo residente do Japão diz: “A abrangência da prestação de serviços dos policiais dos koban (pequenas delegacias) é lendária: eles ajudam pessoas a localizar um endereço nas ruas do Japão que na sua maioria não têm nome, emprestam guarda-chuvas (não-reclamados no setor de achados e perdidos) aos passageiros de trem quando chove, ajudam os sararimen (funcionários de colarinho-branco) bêbados a pegar o último trem para casa e dão aconselhamento aos cidadãos com problemas comuns.” O policiamento comunitário no Japão contribuiu para a sua invejável reputação de ser um país onde se pode andar nas ruas com segurança.
Será que esse tipo de policiamento funcionaria em outros lugares? Estudantes de criminologia acham que se pode aprender algo desse sistema. O progresso nas comunicações tem distanciado a polícia da população para a qual presta serviços. Em muitas cidades hoje em dia, o trabalho da polícia parece consistir principalmente em reagir a situações de emergência. A impressão que se tem é que a ênfase original na prevenção do crime foi esquecida. Como reação a essa tendência, o programa vizinhos em alerta voltou a ser enfatizado em muitos lugares.
Vizinhos em alerta
“Ele realmente funciona, reduz o crime”, diz Dewi, policial no País de Gales. “O programa vizinhos em alerta tem como objetivo conscientizar a população de zelar pela segurança uns dos outros. Organizamos reuniões para que os vizinhos se conheçam, troquem nomes e números de telefone e ouçam palestras sobre prevenção contra o crime. Gosto do projeto porque resgata o sentimento comunitário. É comum as pessoas nem conhecerem os vizinhos. O esquema funciona porque faz com que as pessoas fiquem atentas.” E melhora as relações entre a polícia e o público.
Outra iniciativa tem sido incentivar a polícia a ter mais compaixão com as vítimas. O eminente vitimologista holandês Jan van Dijk escreveu: “É preciso ensinar aos policiais que a maneira de tratarem as vítimas é tão importante quanto o modo como o médico trata o paciente.” Em muitos lugares, a polícia ainda não considera a violência doméstica e o estupro como crimes de verdade. Mas Rob Mawby diz: “Nos últimos anos, a polícia começou a tratar com mais seriedade casos de violência doméstica e estupro. Mas ainda há margem para muita melhora.” O abuso de autoridade é um campo em que praticamente todas as corporações podem melhorar.
O medo da corrupção policial
Às vezes parece ingenuidade acreditar na proteção policial, principalmente quando se ouve falar de muitos casos de corrupção. A corrupção existe desde o início da história da polícia. Referindo-se ao ano de 1855, o livro NYPD—A City and Its Police (Departamento de Polícia de Nova York — Uma Cidade e sua Polícia) diz que “muitos nova-iorquinos achavam que estava ficando cada vez mais difícil fazer distinção entre polícia e bandido”. Na América Latina, acredita-se que “há muita corrupção, incompetência e abusos de direitos humanos dentro da polícia”, diz o livro Facets of Latin America (Aspectos da América Latina), de Duncan Green. O comandante de uma força de 14.000 homens na América Latina pergunta: “O que você pode esperar quando um policial ganha menos de [100 dólares] por mês? Se alguém oferecer uma propina, o que acha que ele vai fazer?”
Qual é a dimensão do problema da corrupção? A resposta depende de a quem você pergunta. Um policial norte-americano que há anos faz rondas numa cidade com uma população de 100.000 habitantes responde: “Com certeza existem policiais corruptos, mas a grande maioria é honesta. Essa pelo menos tem sido a minha experiência.” Por outro lado, um investigador criminal com 26 anos de experiência num outro país diz: “A corrupção está praticamente em toda parte. A honestidade é uma coisa muito rara na polícia. Se um policial revista uma casa arrombada e encontra dinheiro, ele provavelmente vai pegá-lo. Se recupera objetos de valor, pega parte para si.” Por que alguns policiais se tornam corruptos?
Alguns começam com as mais nobres intenções, mas depois se deixam influenciar por colegas corruptos e pelo freqüente contato com a marginalidade. O livro What Cops Know (O Que os Policiais Sabem) cita um patrulheiro de Chicago que diz: ‘Os policiais conhecem muito bem o submundo da marginalidade porque convivem com ele, respiram o seu ar e lidam com ele o tempo todo.’ O contato com a corrupção pode facilmente exercer uma influência negativa.
NO INÍCIO do século 19, muitos na Inglaterra resistiram às propostas da criação de uma força policial uniformizada. Temiam que um exército sob o comando de um governo central constituísse uma ameaça à liberdade. Havia também o receio de que se desenvolvesse um sistema de policiais espiões, como ocorreu na França sob José Fouché. Mas o dilema era: ‘O que faremos sem polícia?’
Ao passo que Londres se tornara a maior e a mais rica cidade do mundo, o aumento da criminalidade representava uma ameaça ao seu comércio. Os vigias noturnos voluntários e os caçadores de ladrões (detetives de uma entidade privada denominada Bow Street Runners) não davam conta de proteger a população e suas propriedades. Clive Emsley comenta no seu livro The English Police: A Political and Social History (História Política e Social da Polícia Inglesa): “Houve uma conscientização cada vez maior de que o crime e a desordem não poderiam ser tolerados numa sociedade civilizada.” Assim, os londrinos acharam por bem dispor de uma força policial profissional, organizada sob a direção de Sir Robert Peel. Em setembro de 1829, policiais uniformizados da Polícia Metropolitana começaram a fazer rondas.
Desde o começo de sua história moderna, a polícia tem inspirado esperança e medo na população — esperança de que proporcione segurança e medo de que abuse de sua autoridade.
A polícia do terror
No início do século 19, quando as modernas forças policiais começaram a ser formadas, a maior parte da humanidade havia estado sob o domínio dos impérios europeus. De modo geral, a polícia européia estava organizada para proteger os governantes, não o povo. Até mesmo os britânicos, que repudiavam a idéia de ter uma polícia militar armada em seu meio, pareciam não ter escrúpulos de usar a polícia militar para manter as colônias em sujeição. Rob Mawby, no seu livro Policing Across the World (A Polícia ao redor do Mundo), diz: “Incidentes de brutalidade, corrupção, violência, assassinato e abuso de autoridade ocorreram em praticamente todas as décadas da história da polícia colonial.” Depois de salientar alguns aspectos positivos da polícia imperial, o mesmo livro acrescenta que ela “passou para o mundo a imagem de que a polícia é instrumento de repressão do Estado, não uma entidade de serviço público”.
Governos despóticos, temendo revoluções, quase que invariavelmente tinham a sua polícia secreta para espionar os cidadãos. A polícia secreta extrai informações mediante tortura, e supostos subversivos são eliminados ou presos sem julgamento. Os nazistas tinham a Gestapo; a União Soviética, a KGB e a Alemanha Oriental, a Stasi. Esta última possuía um impressionante contingente de 100.000 homens e possivelmente meio milhão de informantes para controlar uma população de uns 16 milhões. Policiais faziam escuta de conversas telefônicas 24 horas por dia e mantinham fichas de um terço da população. “Os policiais da Stasi não conheciam limites nem ética”, diz John Koehler no livro Stasi, de sua autoria. “Um grande número de clérigos, incluindo autoridades de denominações protestantes e católica, foram recrutados como informantes secretos. Seus gabinetes e confessionários estavam repletos de aparelhos de escuta.”
Mas esse tipo de polícia não é exclusividade de governos despóticos. Policiais de grandes cidades em outros lugares são acusados de infundir o terror quando adotam práticas extremamente agressivas de imposição da lei, especialmente contra minorias. Comentando um escândalo de ampla repercussão envolvendo abusos cometidos pela polícia de Los Angeles, uma revista noticiosa disse que ‘a violência policial havia atingido um nível sem precedentes, levando a se cunhar o termo “policial-bandido” ’.
Incidentes desse tipo têm levado autoridades a se perguntar: Como melhorar a imagem da polícia? Num esforço de enfatizar o seu papel de servidores públicos, muitas forças policiais têm procurado salientar os aspectos comunitários de seu serviço.
Policiamento comunitário
O estilo tradicional japonês de policiamento comunitário tem chamado a atenção de outros países. Tradicionalmente, no Japão há pequenos distritos policiais onde trabalham uns 12 policiais organizados em turnos. Frank Leishman, conferencista em criminologia e antigo residente do Japão diz: “A abrangência da prestação de serviços dos policiais dos koban (pequenas delegacias) é lendária: eles ajudam pessoas a localizar um endereço nas ruas do Japão que na sua maioria não têm nome, emprestam guarda-chuvas (não-reclamados no setor de achados e perdidos) aos passageiros de trem quando chove, ajudam os sararimen (funcionários de colarinho-branco) bêbados a pegar o último trem para casa e dão aconselhamento aos cidadãos com problemas comuns.” O policiamento comunitário no Japão contribuiu para a sua invejável reputação de ser um país onde se pode andar nas ruas com segurança.
Será que esse tipo de policiamento funcionaria em outros lugares? Estudantes de criminologia acham que se pode aprender algo desse sistema. O progresso nas comunicações tem distanciado a polícia da população para a qual presta serviços. Em muitas cidades hoje em dia, o trabalho da polícia parece consistir principalmente em reagir a situações de emergência. A impressão que se tem é que a ênfase original na prevenção do crime foi esquecida. Como reação a essa tendência, o programa vizinhos em alerta voltou a ser enfatizado em muitos lugares.
Vizinhos em alerta
“Ele realmente funciona, reduz o crime”, diz Dewi, policial no País de Gales. “O programa vizinhos em alerta tem como objetivo conscientizar a população de zelar pela segurança uns dos outros. Organizamos reuniões para que os vizinhos se conheçam, troquem nomes e números de telefone e ouçam palestras sobre prevenção contra o crime. Gosto do projeto porque resgata o sentimento comunitário. É comum as pessoas nem conhecerem os vizinhos. O esquema funciona porque faz com que as pessoas fiquem atentas.” E melhora as relações entre a polícia e o público.
Outra iniciativa tem sido incentivar a polícia a ter mais compaixão com as vítimas. O eminente vitimologista holandês Jan van Dijk escreveu: “É preciso ensinar aos policiais que a maneira de tratarem as vítimas é tão importante quanto o modo como o médico trata o paciente.” Em muitos lugares, a polícia ainda não considera a violência doméstica e o estupro como crimes de verdade. Mas Rob Mawby diz: “Nos últimos anos, a polícia começou a tratar com mais seriedade casos de violência doméstica e estupro. Mas ainda há margem para muita melhora.” O abuso de autoridade é um campo em que praticamente todas as corporações podem melhorar.
O medo da corrupção policial
Às vezes parece ingenuidade acreditar na proteção policial, principalmente quando se ouve falar de muitos casos de corrupção. A corrupção existe desde o início da história da polícia. Referindo-se ao ano de 1855, o livro NYPD—A City and Its Police (Departamento de Polícia de Nova York — Uma Cidade e sua Polícia) diz que “muitos nova-iorquinos achavam que estava ficando cada vez mais difícil fazer distinção entre polícia e bandido”. Na América Latina, acredita-se que “há muita corrupção, incompetência e abusos de direitos humanos dentro da polícia”, diz o livro Facets of Latin America (Aspectos da América Latina), de Duncan Green. O comandante de uma força de 14.000 homens na América Latina pergunta: “O que você pode esperar quando um policial ganha menos de [100 dólares] por mês? Se alguém oferecer uma propina, o que acha que ele vai fazer?”
Qual é a dimensão do problema da corrupção? A resposta depende de a quem você pergunta. Um policial norte-americano que há anos faz rondas numa cidade com uma população de 100.000 habitantes responde: “Com certeza existem policiais corruptos, mas a grande maioria é honesta. Essa pelo menos tem sido a minha experiência.” Por outro lado, um investigador criminal com 26 anos de experiência num outro país diz: “A corrupção está praticamente em toda parte. A honestidade é uma coisa muito rara na polícia. Se um policial revista uma casa arrombada e encontra dinheiro, ele provavelmente vai pegá-lo. Se recupera objetos de valor, pega parte para si.” Por que alguns policiais se tornam corruptos?
Alguns começam com as mais nobres intenções, mas depois se deixam influenciar por colegas corruptos e pelo freqüente contato com a marginalidade. O livro What Cops Know (O Que os Policiais Sabem) cita um patrulheiro de Chicago que diz: ‘Os policiais conhecem muito bem o submundo da marginalidade porque convivem com ele, respiram o seu ar e lidam com ele o tempo todo.’ O contato com a corrupção pode facilmente exercer uma influência negativa.
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