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sábado, 28 de dezembro de 2013

Literatura - Entrevista: Hélio Pólvora e a importância de Hemingway

Chico Castro Jr. - O que Ernest Hemingway representa não só para a literatura norte-americana do século 20, mas também universal?
Hélio Pólvora - Hemingway pertenceu à lost generation (geração perdida), definição cunhada por Gertrude Stein, musa em Paris de um grupo de escritores que, no interregno de duas guerras mundiais,  esvaziaram a crença em valores considerados absolutos ou  eternos. Tinha temperamento sombrio de herói trágico: o pai, o médico  Clarence Hemingway, que lhe dera o primeiro rifle e o ensinara a caçar,  suicidou-se. O escritor, já idoso e dominado pelas limitações da velhice, indignas de um sportsman, enfiou na boca os dois canos de uma espingarda de matar elefante - disparou. Além disso, apreciava a vida livre e rústica (raw life), e sentia a natureza em declínio.  Sua ficção é a de um descrente, um nihilista que busca a aventura como contrapartida ao tédio de um mundo já banalizado. Depois dele, e paralelamente com Franz Kakfa, a boa literatura reflete uma sensação de perda e busca de identidade.  
Chico Castro Jr. - Que tipo de inovação ou renovação estilistica / linguística ele trouxe?
Hélio Pólvora - Ele foi o corifeu dos que procuram a palavra exata, sem adorno - a palavra capaz de resumir situações e temperamentos. Escreveu com simplicidade - mas uma simplicidade enganosa, produto de despojamento e depuração. Fez literatura superior,  na medida em que, em vez de descrever ações e sentimentos de personagens, deixou-os transparecer no que eles diziam e, sobretudo, no que faziam, namaneiracomo reagiam à vida.
Chico Castro Jr. -Para o senhor, Hemingway é mais cultuado pela literatura em si ou pela personalidade forte, já que fazia o tipo macho aventureiro, em oposição aos europeus mais sensíveis e de modos mais delicados?
Hélio Pólvora - Por ambas as facetas. Mas creio que cultivou mais a raw life, pela necessidade de ser e criar heróis másculos numa sociedade de fracos e medíocres. Ademais, o fato de arriscar-se era uma forma disfarçada de arreliar a morte, ou talvez de apressá-la. Mas embora passe a ideia de ficcionista duro, avesso ao sentimentalismo, acreditava, no fundo,  que os sinos tangem por todos nós, conforme a epígrafe de John Donne em Por Quem os Sinos Dobram, romance sobre a Guerra Civil Espanhola. 
Chico Castro Jr. - As traduções brasileiras fazem jus à obra? O senhor tem alguma observação nesse sentido?
Hélio Pólvora - Gosto das traduções de  Breno da Silveira e de algumas mais recentes. Eu próprio traduzi The Nick Adams Stories (As Aventuras de Nick Adams), contos ambientados nas florwstas de Michigan, sobre o seu alter ego Nick à procura das próprias trilhas existenciais, sobre a guerra, sobre o desconsolado retorno do soldado e o eterno (e prazeroso, naturalmente) conflito homem-mulher.  Traduzi também The Good Lion, uma história infantil. Admiro Heminway mais como contista (As Neves de Kilimanjaro,  Os Assassinos,  O Velho e o Mar,  Agora eu Me Deito, O Último Lugar Bom, Colinas Como Elefantes Brancos, O Fim de Algo, A Vida Curta e Feliz de Francis Macomber, dentre outros).  Dos seus romances, prefiro O Sol Também se Levanta.
Chico Castro Jr. - No início da carreira, Hemingway era um romancista mais ligado em temas sanguíneos, digamos assim, como guerras, touradas, assassinatos. Em sua fase mais tardia, me parece que ficou mais contemplativo e ligado em pequenos dramas solitários e familiares. O senhor prefere o Hemingway mais novo ou mais velho?
Hélio Pólvora - Ele é um só. Nas suas relações com as mulheres, me parece um asceta, apesar de reincidente. Isso, e mais o empenho de se mostrar macho e corajoso,  como se desafiado, além do culto aos toureiros espanhóis,  levantaram a suspeita de tendência homossexual. Não discuto essas coisas, Hemingway teve o infortúnio de buscar o paraíso edênico no momento em que se argui no mundo inteiro a civilização criada pelo homem e que contra este se volta. O sonho de Hemingway por uma vida mais natural faz parte do "sonho americano"  e dos sonhos de homens e mulheres dos nossos dias.
Chico Castro Jr. - Qual é a sua história com o autor? Quando ele entrou no seu gosto pessoal? Ele representa uma influência para o senhor enquanto escritor?
Hélio Pólvora - Em comum com ele tenho a origem rural, o desprezo à vida enlatada. Procuro também, na escrita ficcional, ser conciso e contundente. E só. Sou caçador e pescador de mentira. Detesto touradas. Travei contato com o ficcionismo de Ernest Hemingway no conto The Killers, nos romances The Sun Also Rises e A Farewell to Arms, Mais tarde, visitei as duas casas de sua infância e adolescência, a poucos quilômetros de Chicago. O tema de "O Velho e o Mar" é retomado, de certa forma,  em uma novela minha,  O Rei dos Surubins, com a diferença de que, no meu caso, se trata de um pescador índio, há uma personagem feminina, há referências bíblicas  e o velho, antes de morrer, solta o peixe mítico, com o qual dialogava nos enleios da velhice.

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