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segunda-feira, 26 de julho de 2010

Parque Paulista / Eni Fernandes - “Minha História & Poesia"


Mineira de Raul Soares, Eni Fernandes da Costa nasceu em 15 de maio de 1947. Foi criada na roça, casou-se e veio para o Rio de Janeiro aos 36 anos de idade. Aos 53 anos ainda não era alfabetizada, mas alimentava o maior sonho da sua vida: ser escritora. Somente no ano de 1999 iniciou seus estudos no CIEP Henfil – Parque Paulista em Duque de Caxias – RJ, assim mesmo sendo obrigada a interrompê-los em 2002, já então na 6ª série. O que aprendeu nesse período foi o suficiente para verbalizar seus lindos poemas, até então, guardados na memória. Em 2004 a poetisa publicou seu primeiro livro: Minha História & Poesia. Eu diria: Uma história da sua vida em versos. São versos heróicos! Não no sentido da versificação, mas porque são os frutos da sua coragem e determinação. Vejamos alguns exemplos do livro citado:
.............................................
* O meu sonho é escrever Livros de histórias e poesias
..............................................
* A minha própria história e poesia
..............................................
* Montei o meu escritório Debaixo do pé de pitanga
..............................................
* Minhas histórias e poesias Se formavam.” (p. 01)

Com estes versos Eni expressa o que ela desejou toda uma vida e, natural e espontaneamente, define a poesia como algo que sai de dentro da gente. Seus sonhos agora estão realizados. Sua escritura é ela em carne e osso. Sua escola, seu escritório, é o mundo natural distante da tecnologia, pois ela escreve tudo numa “máquina de escrever” encontrada lá num canto esquecida e sem fita. Eni estava nascendo para um mundo globalizado.
“Meu pai era caboclo, alto, [magro Cabelos lisos e preto, usava bigode] / Não era um galã de televisão / Era um galã do sertão
..................................” (p. 06)
Em Como era meu pai, a poetisa retrata a imagem fotografada e bem conservada na mente, não apenas da artista que é, mas na mente da filha que soube sê-la. Retratou tão bem, não apenas os elementos físicos, mas também os elementos sociais, familiares de costumes, culturais, morais e outros, pois o pai era admirado e respeitado. “Fazia pilão, gamela, cocheira com tronco de madeira / Quando falecia alguém na região / era chamado para fazer o caixão.”
O pai não permitia que ninguém entrasse na sala, nem mesmo para um simples cumprimento, enquanto jogava cartas com os parceiros. Mas a menina curiosa e perspicaz olhava pela “brecha” da porta e, assim, acumulava as melhores impressões para seus poemas.
E assim a menina acanhada ia colhendo o material para a sua obra do futuro, cujo projeto já estava rascunhado na mente impulsiva, conforme vemos no poema a seguir:

“.............................................
A família muito grande
e os amigos do paizão
Havia muita comida
feita em tacho e panelão
Não faltava a tradicional
cachaça com limão
Uns cantavam outros tocavam
Violão e pandeiro
Havia até um gaiteiro
...................................” (p.08)

Estas e outras lembranças foram hermeticamente guardadas e, enquanto a mineira de Raul Soares, separada, criando filhos sozinha, trabalhando duro como costureira, analfabeta, lutando para aprender a ler e escrever, adquiria as formas de linguagem através do exercício de pensar, conforme veremos a seguir, no poema Em uma tarde chuvosa.

“Em uma tarde chuvosa sentei- [me no sofá
E veio-me a lembrança do pé [de pitangueira
Foi debaixo dele que eu escrevi
As primeiras estrofes do meu [livro
...................................”(p. 09)

Podemos observar ainda a admirável capacidade de “pensar” da nossa escritora no poema Era mês de maio.

“Era mês de maio
Noite clara, o céu estrelado
Passou-me pela memória
uma velha lembrança
quando eu morava no sertão de [Minas
eu sentava no batente da porta
E ficava olhando a lua
...................................” (p.10)

Outros aspectos do fazer literário e o da literaricidade podemos observar no poema supracitado. Por exemplo, o caráter do conto de “Era uma vez...”. Aspectos retóricos da narrativa: Quem? Quando? Onde? E outros. Todo um cuidado descritivo de traços fundamentais de paisagens objetivas e subjetivas. Todo o poema vem marcado de elementos de crença e cultura nos seus mais variados detalhes.
Poderíamos analisar cada verso para mostrar a sutileza da autora que, embora não tenha tido a pretensão de uma obra de arte, nos faz concluir que a poesia vai além do que é capaz a mente humana. É algo muito sublime.
Nossa intenção é de apresentar esta novíssima escritora mineira, um exemplo raro de sensibilidade e simplicidade literária. Seu fazer literário é simples, espontâneo e sem pretensões, mas a realização de um sonho de quem viveu a maior parte da sua vida analfabeta. É neste foco que estamos vendo Dona Eni. Uma criatura simples como estes versos:

“A cigarra estava adormecida [debaixo do chão
Ainda protegida por um cascão
Era calor e ela despertou como [um vulcão
Para cantar e alegrar as tardes [quentes de verão
..................................” (p. 13)

Porém, a sua escritura retrata também conteúdo de real importância, conforme pode-se ver em Interior de Minas (p. 15), onde ela contempla sua vida no interior de Minas, sua vinda para o Rio de Janeiro – traço importante da história cultural brasileira – “Em busca de dias melhores”. A aquisição da leitura e da linguagem escrita, que Eni não conseguiu no interior de Minas, o Rio de Janeiro deu-lhe, segundo ela. E veja como ela expressa, no final da página 15 a ânsia do homem pós-moderno: “E com o computador você vai trabalhar...”. O poema prossegue até a página 20. É como se ela espalhasse no chão os retalhos dos seus sonhos – de “Uma vida em segredo”
Entretanto, a descoberta maior é a linguagem em Língua Portuguesa p.21. A escritora revira o passado e encontra as ofensas recebidas por não saber ler, a não realização. Porém, ela diz que armazenou-as “como se fosse frutas...sem amargos e sem cica...” e, depois de se realizar, diz ela: “Pesco lindas palavras que formam histórias e poesias” (poemas).
Em O amor (p.25), Eni expressa um inocente lirismo como a maioria dos poetas, destacando o carinho e o respeito como sustentador de uma relação amorosa. Sem dá conta, revela uma paixão discreta e secreta em O Gato de rua (p. 26).
Enfim, o livro de Eni Fernandes, a Dona Eni, é rico em detalhes. Seus poemas revelam traços complicadores para uma nova crítica literária. Porém, nosso objetivo é apenas apresentar esta flor do agreste das letras.
Quem é você? De onde você é, Dona Eni? Sim! Mineira de Raul Soares, zona da Mata, a quinta filha duma prole de dezesseis. Criada na roça casou-se e veio para o Rio de Janeiro nos anos 70. Teve dois filhos e um deles excepcional. Criou-os praticamente sozinha, pois é divorciada desde inícios dos anos 90. Analfabeta até 2000. Hoje com o Fundamental incompleto, mas escritora. Sim! Escritora de lindos versos e com um livro publicado: “Minha História & Poesia”.
É impressionante a sua capacidade de escrever e de transmitir tão bem os seus sentimentos-suspiros dos pensamentos. Um repertório ilimitado de emoções. Envolve seus personagens numa verdade interior que dispensa esclarecimentos. A poesia, que para ela, “é algo que sai de dentro da gente”.
De onde Eni Fernandes tirou toda essa força misteriosa? Talvez da experiência precoce de quem começou na labuta muito cedo: trabalho, casamento, filhos e, finalmente o divórcio. Talvez a ebulição do pensamento querendo ser linguagem durante anos. A verdade é que “o galo cantou, o dia raiou, o sertanejo despertou para o roçado” e Eni despertou para a linguagem escrita. O sertanejo não tem férias, nem décimo terceiro, mas toca o seu violão. Eni não tem sequer o curso secundário, nem seu nome estampado nas páginas de jornais, mas faz versos. No café da manhã, o sertanejo não tem leite, nem pão, mas tem batata assada na cinza do fogão. Dona Eni não tem os meios modernos nem recursos e tempo, pois tem que trabalhar duro para o sustento de sua família, mas tem a determinação dos grandes artistas e escreve seus poemas a mão. Como o sertanejo, Eni vive sorrindo mesmo sem condições de ir ao dentista.
Texto / Professor Ivon Alves Araújo

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